O TEXTO NO CONTEXTO COMO PRETEXTO - Para debates em família e na escola - Roberto Gameiro

sábado, 23 de dezembro de 2023

A GENTE FALA E ESCREVE O QUE OUVE, OU O QUE HOUVE?

Roberto Gameiro

Oswald de Andrade (1890-1954), escritor e dramaturgo brasileiro escreveu:

“A gente escreve o que ouve, nunca o que houve."
 
A frase, inteligentemente construída, além de revelar uma situação de eventual verdade, nos traz uma das facetas da Língua Portuguesa, qual seja, a dicotomia entre o texto escrito e o texto falado. Nela, os verbos “ouvir” e “haver” são contrapostos, causando uma confusão semântico/fonética que nos instiga a um aprofundamento analítico. 

Reescrito, o texto poderia ficar assim: 

“A gente escreve o que escuta, nunca o que aconteceu."

Mas não são apenas os escritos que podem causar dupla ou enviesada comunicação. Também as mensagens faladas, ao passarem por diversos interlocutores, correm grandes riscos de deturpação.

Quando a comunicação não se realiza de forma adequada, as mensagens, orientações e informações poderão ser interpretadas de variadas formas pelos receptores, causando “ruídos” comunicacionais danosos ao bom funcionamento de uma empresa, de uma família, escola ou da sociedade como um todo.

Assim é com uma anedota que corre pelas redes sociais há muito tempo, que talvez você conheça, da qual eu fiz a minha versão. Não consegui identificar o autor da original.
 
O Diretor Geral (de uma empresa fictícia) chama o Vice-Diretor da filial e lhe dá uma orientação para que repasse para os diversos níveis hierárquicos da organização, até chegar aos funcionários da linha de produção: 

“Amanhã, às 9h, haverá um eclipse do Sol, o que não ocorre todos os dias; providencie para que todos os funcionários estejam no pátio, uniformizados, para que vejam esse raro fenômeno, quando eu lhes darei as explicações convenientes. Em caso de chuva, não poderemos ver nada; então, leve os colaboradores para o Ginásio.”.

O Vice-Diretor repassa oralmente a orientação para o Coordenador Geral, que a repassa para o Supervisor, que a repassa aos Chefes de Setores, os quais a repassam aos funcionários.

A orientação chega ao conhecimento dos funcionários com a seguinte versão:
  
“Informo que amanhã, lá pelas 9h, o Diretor-Geral, uniformizado, eclipsará o Sol no Ginásio, fenômeno raro que não acontece todos os dias, ocasião em que ele dará as explicações necessárias.”

Os funcionários entre si: 

“Parece que amanhã às 9h, sem dar explicações a ninguém, vão prender o Diretor Geral no Ginásio por 24 horas porque ele só vem trabalhar em dias de Sol; nunca em dias de chuva. Pena que isso não ocorra todos os dias.”.

Anedota ou não, exagerado ou não, esse “relato”, cujo original foi escrito há décadas, leva a uma análise interessante.

Toda comunicação deve ser clara, concisa e objetiva, adequada na forma e no conteúdo ao público-alvo, considerando seu nível cultural e as eventuais individualidades.

Devem ser consideradas as possíveis barreiras hierárquicas que poderão interferir na eficiência e na eficácia da comunicação, identificando de antemão as características peculiares dos diversos ambientes-alvo. 

Vivemos a era do conhecimento e da informação. Diferentemente da época em que o original do texto aqui analisado foi escrito, hoje dispomos de variadas opções, inclusive tecnológicas, que facilitam sobremaneira a comunicação.
 
Entretanto, com as vivências do dia a dia, observamos que a Língua Portuguesa continua a ser “maltratada” por alguns meios de comunicação e seus agentes. 

Nunca houve tantas possibilidades de comunicação; entretanto, nunca se falou e escreveu com tantos erros de ortografia, acentuação e pontuação como hoje.
 
Salvo honrosas exceções!

Toda empresa deveria ter um profissional corretor de textos eventual ou contratado! A empresa que prima pelo cuidado com suas peças de comunicação tem essa qualidade agregada à sua própria competência profissional, o que reforça suas vantagens competitivas.

E para terminar, repito aqui uma obra prima, risível, de propaganda de uma escola.
 
“Seguro educacional gratuito já incluso na mensalidade.”
 
O que dá para rir, dá para chorar.

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Roberto Gameiro é Mestre em Administração com ênfase em gestão estratégica de organizações, marketing e competitividade; habilitado em Pedagogia (Administração e Supervisão); licenciado em Letras; pós-graduado (lato sensu) em Avaliação Educacional  e em Design Instrucional. Contato: textocontextopretexto@uol.com.br

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