Roberto Gameiro
Muitas vezes, em conversas com crianças da primeira fase do Ensino Fundamental nas escolas que eu dirigia, vinha, de uma delas, a pergunta recorrente: o que faz o diretor da escola?
Devolvia a pergunta para elas e ouvia respostas como: dá bronca nos alunos, faz reuniões, manda professores embora, conversa com os pais, fica na porta da escola...
Uma delas, até me perguntou, certa vez, se eu não trabalhava; se só fazia reuniões...
Então, eu dava a elas a resposta de sempre: que a principal função do diretor é fazer com que todos na escola sejam felizes.
A reação das crianças a essa resposta era de regozijo (muitas outras crianças já me tinham feito essa pergunta, recebendo a mesma resposta).
Depois de perceber a reação delas, eu perguntava: vocês são felizes aqui na escola? Se sim, levantem os braços. Geralmente, todas levantavam os braços com um sorriso encantador nos rostinhos.
E aí, eu provocava sorrindo: então, se a minha principal função é fazer vocês felizes e vocês já são, eu posso ir para casa, não é?
NÃOOOOOOO! Respondiam elas quase em uníssono (parece que elas gostavam da brincadeira). E isso me deixava especialmente feliz.
E a conversa continuava...
Noutro dia, estive rememorando esses momentos marcantes e me detive nessa expressão: “a principal função do diretor é fazer com que todos sejam felizes na escola.”.
Daí, me lembrei de uma frase de Alexandre Dumas, pai (1802-1870), romancista francês, que diz: “O mais feliz dos felizes é aquele que faz os outros felizes.”.
Mas, que felicidade é essa quando se considera toda a complexidade das relações interpessoais que acontecem diariamente no universo que compõe a escola, ou seja, professores, alunos, pais, coordenadores, orientadores, técnicos, fornecedores, prestadores de serviços etc.? (Uma das escolas que dirigi tinha 3.800 alunos)
Não se trata, por óbvio, de uma felicidade advinda do fato de que cada um faz o que quer, fala o que lhe “dá na telha”, um laisser-faire desmedido, mas, sim, de um bem-estar decorrente de posturas humanizadas, de missão, princípios, valores, normas, regras e visão de futuro coerentes, justas, conhecidas, compartilhadas e assumidas por todos.
Sabemos que é quase impossível satisfazer aos desejos, às expectativas e necessidades de todos.
Nem num grupo de 3, nem num grupo de 3.800.
Nesses contextos, a disponibilidade ao diálogo, o saber ouvir, o respeito ao posicionamento do outro (mesmo que você não concorde com ele), a presença significativa, a coerência nas posturas e atitudes, a comunicação efetiva e afetiva, a empatia, o cumprimento dos procedimentos normatizados, o propósito e o foco bem definidos, a flexibilidade, a descentralização, o empoderamento, a corresponsabilidade, a resiliência, a perseverança e, especialmente, a alegria do encontro, são quesitos que provocam a existência de ambientes promissores e realizadores de relacionamentos saudáveis e felizes.
"É comum dizer-se que a função das escolas é preparar as crianças e os adolescentes para a vida. Como se a vida fosse algo que irá acontecer em algum ponto do futuro, depois da formatura, depois de entrar no mercado do trabalho. Mas a vida não acontece no futuro. Ela só acontece no aqui e no agora. Viver é aprender. É nisso que está a excitação do viver. Caso contrário, a vida é um tédio insuportável. A aprendizagem só pode acontecer no espaço-tempo em que a vida está sendo vivida. (…)" Rubem Alves
O Professor Amaro França, no seu livro "Gestão Humanizada" (2019), acrescenta que "Uma das maiores necessidades intrínsecas ao ser humano é ser valorizado, compreendido e sentir-se amado, e, quando a escuta empática é vivenciada, cria-se uma atmosfera psicológica favorável à resolução do problema.".
Numa escola com essas características, de relacionamentos humanizados, as crianças e os adolescentes sentem prazer em ir e estar. Não veem a hora de as férias acabarem para a volta às aulas. E, assim, se sentem felizes na escola e contagiam a todos.
O ambiente de atitudes respeitosas aproxima a todos e tem o condão de até evitar, ou, pelo menos, diminuir o bullying.
Como são gratificantes essas conversas do diretor com as crianças e com os adolescentes no ambiente escolar. Além de nos trazer e nos sensibilizar com toda a energia que possuem, com o seu modo peculiar de conversar, com a ausência de filtros na comunicação e outras características dessas faixas etárias, trazem, também, a oportunidade de conhecermos melhor o próprio ambiente interno escolar, sobre os relacionamentos interpessoais, sobre o andamento dos procedimentos normatizados etc. E você não precisa fazer muitas perguntas. Elas são espontâneas, verdadeiras e sinceras, o que deve ser respeitado e valorizado com muito afeto e sigilo.
Feliz o diretor e a diretora que têm essa possibilidade de aproximação com os estudantes.
Felizes, também, os coordenadores, orientadores e professores que têm o privilégio do contato diário com essas crianças e da possibilidade de conduzir suas aprendizagens e vivências numa direção sadia de crescimento relacional.
Alegria, amorosidade, bem-querer. Palavras mágicas!
Os seus filhos e os seus alunos são felizes na escola?
Que tal conversar com eles a respeito?