Roberto Gameiro
Era uma tarde quente de verão. Eu estava participando de um encontro profissional de planejamento estratégico que seguia por vários dias. No local da atividade, não havia sinal para funcionamento dos celulares (ainda na época dos “tijolões”). A única opção, para contato com as famílias, era um boteco tipo mercearia que havia a uns seiscentos metros do local do encontro, e que tinha um telefone público.
E lá íamos nós, um grupo de uns dez colegas de trabalho, homens e mulheres, das mais diversas funções; tropeçando nos buracos da rua sem asfalto e “comendo” poeira pelo percurso.
No local, o espaço era exíguo ao lado do “orelhão”, de modo que ficávamos meio que “amontoados” aguardando a nossa vez de falar, e (por óbvio) ouvindo as conversas dos colegas com seus familiares.
Foi quando um de nós, já de certa idade, pegou o fone e ligou para sua casa.
Logo, alguém atendeu e ele começou um diálogo que nos emocionou sobremaneira.
- Olá, meu amor, meu amorzinho! Quanta saudade de você! Você está bem? Não vejo a hora de voltar para casa para estar com você minha querida...
O diálogo prosseguia muito meloso, e, ao que tudo indicava, com reciprocidade do outro lado da ligação.
E nós, sussurrando, comentávamos como ele era cuidadoso com a esposa, alguns até com inveja de tamanha dedicação, carinho e afeição.
Num mundo cheio de violência, que bom ouvir uma conversa tão amorosa, respeitosa e apaixonante entre um casal que se ama.
Depois de um tempo, ele terminou aquele contato e, engrossando a voz, perguntou:
- E a cascavel, está aí?
Foi aí que percebemos que ele estava falando, primeiro, com a filha dele.
E a cascavel vocês podem imaginar quem era.
Num mundo cheio de violência, que tristeza sentimos ao ouvir um marido se referir assim à sua esposa.
Mas, não nos enganemos. Há muitos assim. Eu mesmo conheci vários no exercício da minha profissão de diretor escolar.
Entretanto, não podemos nem devemos nos precipitar no julgamento de quem quer que seja.
Eu mesmo tenho feito julgamentos precipitados, dos quais tenho me arrependido depois de ter a oportunidade de conhecer o outro lado do fato; estou procurando melhorar.
Antes de qualquer coisa, devemos nos perguntar se temos o direito de fazer julgamento acerca de relacionamentos alheios.
Os relacionamentos humanos, em especial os conjugais, são complexos e cheios de nuances difíceis de serem entendidas e compreendidas por quem está de fora.
Há um ditado popular que diz “Em briga de marido e mulher, não metas a colher”.
É do jornalista, filósofo e professor Clóvis de Barros Filho a afirmação: “Pessoas de bem não gostam de machucar aquelas que amam. E a gente vai aprendendo a estabelecer acordos na vida para diminuir cada vez mais a chance de machucar as pessoas.”.
Costumo brincar dizendo que algumas pessoas não têm um órgão denominado “Desconfiômetro”, e que deveriam tomar um “medicamento” denominado “Simancol”.
Mas, brincadeira à parte, o episódio aqui narrado aconteceu na segunda metade dos anos 1990. Espero que hoje ele esteja chamando a filha e a esposa de “meu amor”, "meu amorzinho”.
Afinal, num relacionamento conjugal, “um precisa do outro tanto quanto o outro precisa do um”.
Assim como os filhos precisam dos dois.
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Roberto Gameiro é Mestre em Administração com ênfase em gestão estratégica de organizações, marketing e competitividade; habilitado em Pedagogia (Administração e Supervisão); licenciado em Letras; pós-graduado (lato sensu) em Avaliação Educacional e em Design Instrucional.
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